Vestindo a modernidade: revistas ilustradas, moda e consumo no Rio de Janeiro

Autores

  • Olga Bon Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Palavras-chave:

Revistas Ilustradas, Rio de Janeiro, Consumo, Moda, Modernidade

Resumo

O cenário de modernização na cidade do Rio de Janeiro iniciado ainda no século XIX propiciou mudanças econômicas, políticas e culturais significativas. Essas mudanças, alavancadas por acontecimentos históricos como a Abertura dos Portos, em 1808, e as reformas urbanas, caminhavam ao lado de um processo de construção de uma mentalidade civilizatória endossada pelas elites locais, a partir de moldes europeus, mais precisamente franceses, tidos como sinônimos de elegância e civilidade. Neste mesmo período, a imprensa carioca produzia materiais de circulação periódica, como jornais e revistas. É neste contexto que as revistas ilustradas se popularizam, participando do processo de modernização da “cidade-corte”, com o objetivo de moldar a “nova sociedade carioca”, principalmente no que tange hábitos de consumo, mais precisamente de moda. Esse meio de comunicação atuou como importante pilar na construção de um novo Rio de Janeiro, propagando costumes, apontando o que deveria ser consumido e como deveria ser usado por essa sociedade em transição, a partir de padrões estéticos estrangeiros, produzindo sentidos e simbologias próprias a uma população que passou a caminhar por novas ruas e avenidas largas e modernas, em um novo processo de “ver e ser visto”. Neste sentido, as revistas ilustradas se constituem como objeto de estudo do artigo, onde foram analisadas as seguintes publicações: O malho (1902 – 1954), Revista da Semana (1900 – 1940), Fon-Fon! (1907 – 1958), O Novo Correio das Modas (1852 – 1854) e A Estação (1879-1904). O recorte temporal abarca o final do século XIX e início do século XX.

Biografia do Autor

Olga Bon, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Doutoranda no Departamento de Comunicação da PUC Rio. Bolsista CAPES. 

PhD student in the PUC Rio university's communication department. CAPES scholarship. 

Referências

“boa sociedade” (MATTOS, 2004)

De acordo com Ferreira (2011), após a transferência da Corte para o Brasil, em 1808, não só a criação, mas também a manutenção de uma sociedade culta e ilustrada se tornaram prioridade.

Um processo mais intenso de modernização do Rio de Janeiro se iniciou a partir da segunda metade do século XIX, período no qual já podemos ver a presença de ferrovias, bondes, sistema de água e esgoto e iluminação a gás (GORBERG, 2013).

Posteriormente, as conhecidas reformas urbanas empreendidas também por Pereira Passos propiciaram mudanças sociais e espaciais na cidade, cujas ruas estreitas foram tomadas por uma população sem acesso a moradias de qualidade, culminando no surgimento acelerado dos cortiços e de doenças que se espalhavam rapidamente, tornando a cidade “febril-pestilenta” (CHALHOUB, 1996).

O bordão foi escrito, pela primeira vez, por Figueiredo Pimentel, na coluna “O Binóculo”, “considerada um dos primórdios do colunismo social (SICILIANO, 2014, p.272).

Para Oliveira et al. (2010), a reurbanização da cidade modificou por completo seus hábitos e seu cotidiano, influenciando diretamente o comércio que ali se instaurou, fazendo surgir uma série de casas comerciais consideradas de gosto refinado.

As noções de civilidade passaram a regular a sociedade de elite carioca, com a adoção paulatina de práticas e hábitos não só afrancesados, mas também, segundo Freyre (1961), urbanizados e policiados.

O uso de expressões estrangeiras, principalmente na língua francesa, passou a ser normatizado como simbologia de distinção (BOURDIEU, 2011).

Para Benjamin (1985), o espaço urbano remodelado é o cenário para o flâneur, que se locomove por entre as novas ruas modernas e alargadas.

“Para as classes abastadas que consumiam moda, encenar o fenômeno da modernização na própria aparência era a maneira mais imediata de compartilhar o modelo europeu de civilização.” (FEIJÃO, 2011, p.139).

As publicações reuniam uma gama de assuntos que deveriam interessar a alta sociedade carioca, que vislumbrava o ajustamento aos hábitos e as modas provenientes de Paris, em meio à “belle époque tropical” (NEEDELL, 1993).

Needell cunhou este termo, considerando a belle époque tropical como uma “aspiração modernizante com vistas ao cosmopolitismo, o clima eufórico e efervescente”. (SICILIANO, 2014, pag.213).

Descripção da gravura – O primeiro toilette, que representa a nossa gravura, é para baile de verão. Vestido de tarlatana côr de palha, com par-dessous de taffetás da mesma côr. Este vestido tem duas saias: a primeira guarnecida de cinco fôfos de tarlatana graduando-se até os joelhos: estes fôfos são entremeados de fuchsias naturaes. A segunda túnica desce até á mais alta ordens dos fôfos, e é guarnecida de uma larga fita de taffetás: o corpinho é justo, decotado, com fôfos de tarlatana e ramos de fuchsias, (o mesmo adorno nas mangas). Um grande laço de fitas tafettás côr de palha no meio da cintura. – A camisinha é de musselina suissa bordada. O penteado é de duplos bandós toffados. Nestes bandós deve-se passar um círculo de ouro e não vermelho, como por engano se vê na gravura. Dous ramos de fuchsias completão o penteado. Pulseira formada por uma cobra enroscada de ouro com escamas de topazio.

O segundo toilette compõe-se de um vestido de gaze da China azul celeste; saia de tres tunicas: as duas túnicas superiores apanhadas dos lados com bouquets de não me deixes. Sobre o corpinho crusão-se tambem grinaldas das mesmas flores. – A camisinha e as mangas são bordadas a ponto de Inglaterra de tres centimetros de altura. Nos cabellos um circulo de esmalte e ouro passa por entre os bandós e por detrás dos ramos de não me deixes. Pulseira de ouro esmaltada de azul (O Novo Correio das Modas, p.176, 1854).

Tão importante como ser moderno era parecer moderno, estar investido de símbolos da modernidade, tanto nas atitudes tomadas em público quanto na composição da própria aparência (FEIJÃO, 2011, p. 103).

“No Brasil, as relações entre o universo feminino letrado, a literatura e a imprensa vão se tornando, na segunda metade do século XIX, extremamente próximas, de tal modo unidas” (OLIVEIRA, 2011, p.165)

A modernização, tanto urbana quanto das mentalidades, acabou proporcionando à mulher “novas possibilidades de exposição e inserção social” (OLIVEIRA, 2011, p.229).

De acordo com o Almanaque Laemmert , o número de estabelecimentos relacionados ao vestuário teve crescimento considerável em pouco tempo, a exemplo da Rua do Ouvidor, que contava com 22 lojas em 1850 e em 1880 passou a ter 110 lojas (RAINHO, 2002).

Colunas sociais da época exibiam fotos dessa sociedade, fazendo com que houvesse a aprovação ou o enxovalhamento daqueles que participavam do grande desfile social (GORBERG, 2013).

“Jornalistas tomavam para si a tarefa de aprimoramento estético e cultural, chegando mesmo a fundar movimentos como a ‘Liga contra o Feio’, proposta por Luiz Edmundo em 1908” (FEIJÃO, 2011, p.134).

No início do século XX, as revistas ocupavam um papel preponderante no universo editorial brasileiro (GORBERG, 2013, p. 50), com uma grande riqueza visual.

“Se no brasileiro século das luzes ‘ninguém lia’, era necessário ‘das coisas ver-se a figura’” (OLIVEIRA; VELLOSO; LINS, 2010, p.78).

Articuladas à vida cotidiana, elas terão uma capacidade de intervenção bem mais rápida e eficaz, caracterizando-se como ‘obra em movimento’. (OLIVEIRA; VELLOSO; LINS, 2010, p.43).

Desse modo, as revistas ilustradas se transformavam em verdadeiras cartilhas, que atuavam dentro da lógica de um processo civilizador (ELIAS, 1994).

“As revistas apresentavam-se como lugar estratégico na construção, veiculação e difusão do ideário moderno” (OLIVEIRA; VELLOSO; LINS, 2010, p.49).

“caráter simbólico das roupas” (FEIJÃO, 2011, p.83).

As revistas semanais (...) almejavam um alvo bastante claro: fazer chegar aos seus leitores ideias, valores, comportamentos e imagens de um universo que se apresentava de forma inaugural, revolucionária e, sobretudo, sedutora. As publicações desempenharam papel de verdadeiros agentes mediadores no processo de atualização cultural. Transformaram-se em especialistas na apropriação, tradução e circulação de saberes. (VELLOSO, 2008, p.11)

Os grandes magazines permitiam a livre circulação dos clientes - principalmente mulheres - transformando o ato de fazer compras em uma nova prática social (BENJAMIN, 1985).

O consumo de bens ao “fazer compras” já fazia parte da estrutura da vida social ao atingirmos o século XIX, segundo McCracken (2003).

Para o autor, neste período, consumo e sociedade já são conceitos que se fundem num contínuo processo de mudanças. O “consumo de massa” estava, assim, profundamente ligado ao desenvolvimento das imponentes e grandiosas lojas de departamento (McCRACKEN, 2003).

“A nova cidade convidava o Homo urbanus a se exibir no espaço público” (SICILIANO, 2014, p.272).

Para Simmel (2008), a moda é um importante vetor na interação social.

A vestimenta da rua era repleta de símbolos expressivos, os quais, por seu turno, subvertiam o anonimato. Pois, por mais que sugerissem não querer ser notados, era fundamental para os retratados revelarem aos demais sua condição social. Nessa cultura da dissimulação, a indumentária tornava-se chave identificatória extremamente importante no processo de reconhecimento público, pois, longe de querer estar incógnita, a nova sociedade estava em desfile. (OLIVEIRA; VELLOSO; LINS, 2010, p.182-183).

As revistas ilustradas atuam dentro de uma lógica do consumo, que, de acordo com Marshall Sahlins, não é resultado de uma determinação objetiva, mas de uma razão cultural que incorpora a esfera da intencionalidade subjetiva (SAHLINS, 2003).

Partindo da premissa de que somos formados socialmente por sentidos atravessados por simbolismos, mitologias, totens e magias (ROCHA, 2010).

Sendo assim, o consumo só é um ato individual para fins de representações coletivas (ROCHA, 2006).

Se “[...] as chamadas necessidades básicas são inventadas e sustentadas na cultura” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2009, p.15).

No início do século XX, as revistas ocupavam um papel preponderante no universo editorial brasileiro (GORBERG, 2013, p. 50), com uma grande riqueza visual.

“Se no brasileiro século das luzes ‘ninguém lia’, era necessário ‘das coisas ver-se a figura’” (OLIVEIRA; VELLOSO; LINS, 2010, p.78). Essa realidade também contribuiu para que as revistas ilustradas se tornassem aparatos midiáticos com alto grau de alcance.

Articuladas à vida cotidiana, elas terão uma capacidade de intervenção bem mais rápida e eficaz, caracterizando-se como ‘obra em movimento’. (OLIVEIRA; VELLOSO; LINS, 2010, p.43).

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Publicado

22/12/18